Apostolicam
Actuositatem.
Decreto sobre o Apostolado dos Leigos
Os leigos
na Igreja: identidade e missão
Juan Ambrosio
1.
Breve
enquadramento histórico.
Antes do
Concílio Vaticano II o problema da autonomia e do apostolado dos leigos era
pensado no contexto de uma eclesiologia de tipo societário e hierárquico que
tem da Igreja uma imagem de Instituição e sociedade «juridicamente perfeita»,
definida no seu interior por um poder hierárquico, orientada para a salvação
dos fiéis, mediante os instrumentos da graça que ela possuía. Nesta imagem
conceção de Igreja, o culto, a tutela do depósito doutrinal e a pregação do
evangelho pertenciam, em primeiro lugar, ao clero, com o qual a Igreja acabava
por se identificar, enquanto os leigos eram apenas chamados a usufruir dos meios
da graça por ela repartidos para a salvação das suas almas, os leigos deveriam
observar determinados deveres, não tendo propriamente missões, a não ser
aquelas que lhes eram confiadas pela hierarquia.[1]
As palavras
proferidas pelo Cardeal António Caggiano, um dos principais animadores da Ação
Católica na Argentina, no primeiro Congresso Internacional do Apostolado dos
Leigos (1951), são desta realidade um inequívoco testemunho:
"Há que deixar bem claro, sem
dúvida alguma, tanto do ponto de vista jurídico, como do ponto de vista
teológico, que a Igreja católica, por vontade do seu Divino Fundador, Cristo
Jesus, é essencialmente uma Sociedade de pessoas desiguais, formadas por duas
classes de membros, essencialmente diferentes entre si; a hierarquia e os simples
fiéis; aqueles que santificam e aqueles que são santificados; aqueles que
ensinam e aqueles que são ensinados; aqueles que governam e aqueles que são
governados [...]."
E citando depois a Encíclica Vehementer nos, de Pio X, continuava:
"[...] só no corpo dos pastores
residem o direito e a autoridade necessários para promover e dirigir todos os
membros para o fim da sociedade [ou seja, da Igreja]; quanto á multidão, ela
não tem outro dever que não seja o de se deixar conduzir e, como dócil rebanho,
seguir os seus pastores."[2]
Todos conhecemos
- porque em certa medida todos as vivemos , uns em primeira mão outros em
segunda, mas nem por isso de uma maneira menos evidente - as evoluções e
transformações porque a sociedade foi passando nos tempos anteriores ao
Concílio.
Essas
transformações, ainda que nem sempre aceites com evidência, acabaram por se ir
impondo, levando a que a Igreja fosse ganhando consciência da necessidade de
implementar novas estratégias de apostolado. Começa a não bastar a preocupação
com a salvação das almas dos fiéis individuais e vai ganhando terreno a
necessidade de salvar uma sociedade inteira que é necessário reconquistar para
os ideais cristãos.
Neste contexto,
o apostolado dos leigos começa a ser encarado a partir de um outro ponto de
vista, precisamente por estarem mais diretamente presentes na vida social.
Este é
claramente um dos filões que nos ajuda a entender a existência da Ação
Católica. Através dos leigos da Ação católica, um pouco como braço continuador
da hierarquia, o Reino de Deus pode ir sendo, de novo, implementado na
sociedade.
Mas se é verdade
que a Ação Católica possibilitou que a Igreja pudesse estar presente no mundo
da escola (JEC - Juventude Estudantil católica), da Universidade (JUC -
Juventude Universitária Católica) no mundo operário (JOC - Juventude Operária
Católica, ACO - Ação católica Operária), no mundo do campo (JAC - Juventude
Agrícola católica, ACR - Ação Católica Rural) e nos ditos meios independentes
(JIC - Juventude Independente católica, ACI - Ação Católica Independente),
também é igualmente verdade que esses ambientes específicos acabaram por trazer
para dentro da Igreja toda a problemática e reflexão moderna dos seus meios.
Igualmente este presença dos leigos cristãos nestes meios foi proporcionando a
oportunidade de muitos destes assumirem aí os mais diversos compromissos, o que
foi gerando interrogações e criando a consciência e a vontade de uma maior
participação e compromisso na própria vida da Igreja[3].
O Movimento
Litúrgico, o Movimento Bíblico, o Movimento Ecumênico vão ser cada vez mais
impulsionados por uma Nova Reflexão Teológica que, por sua vez, acaba também
por vir a ser dinamizada por estes movimentos. Daqui vai resultar uma maior
consciencialização da identidade e vocação laicais que, paulatinamente, vai levantando questões:
ü
Como é possível continuar a falar apenas de um
dever de obediência?
ü
Como não reconhecer também aos leigos um papel
ativo num apostolado que eles estão em condições privilegiadas de desempenhar?
É neste contexto
de fundo, aqui tão rapidamente enunciado e apenas à maneira de esboço, que se
coloca durante o séc. XX a questão da autonomia dos leigos e do seu apostolado.
Claro que a
questão vai ser abordada a partir de vários pontos de vista. Para o magistério,
embora querendo favorecer o apostolado dos leigos, acaba por olha para ele
segundo as tradicionais linhas eclesiológicas de subordinação à hierarquia;
para os leigos, sobretudo quando organizados em associações ou movimentos,
embora sem questionarem a necessidade de uma clara fidelidade à Igreja e
obediencial à hierarquia, acabam por olhar a partir de uma perspetiva que
reivindica maiores espaços de autonomia ao nível da decisão e da organização[5].
As chamadas
associações de apostolado indireto, ou seja, aquelas que atuavam na sociedade e
nos ambientes de trabalho com fins assistenciais, sindicais e até políticos levantavam
outro tipo de questões, pois acabavam por não ter um apoio claro e inequívoco
por parte da hierarquia, muitas vezes preocupada com as implicações que dessa
atividade poderia advir para a Igreja. A verdade é que essas associações nem
sempre se moviam na estreita dependência das diretivas do clero, o que
levantava claramente uma questão que acaba por se ir tornando de todo
incontornável e que podia ser formulada desta maneira: até que ponto os leigos
podem empreender atividades apostólicas por sua iniciativa própria?[6]
2.
O Concílio
Vaticano II
Hoje conhecemos
as grandes intuições que levaram o Papa João XXIII a convocar o Concílio Vaticano
II e quais as grandes finalidades que definiu para o mesmo. Sabemos também que
Paulo VI, quando chamado à cátedra de Pedro, assume como tarefa concluir esse
grande empreendimento que ele próprio diz "dever ser contado sem dúvida,
entre os maiores acontecimentos da Igreja."[7]
Mas não só
assume concluir, como assume também as
mesmas finalidades enunciadas pelo seu antecessor, o explicitamente afirma no
discurso proferido na abertura da 2ª sessão Conciliar, a 29 de setembro de
1963.
“… para que o sagrado depósito da
doutrina cristã seja conservado e proposto com maior eficácia. Mas tu,
indicando assim o objectivo mais alto do Concílio, associaste-lhe outro mais
urgente e agora mais salutar, o objectivo pastoral, afirmando, «nem o nosso
trabalho tem, como fim primário, discutirem-se alguns capítulos mais
importantes da doutrina eclesiástica…, mas antes: investigá-la e expô-la do
modo que pedem os nossos tempos.»”
“Se nós, veneráveis irmãos,
colocarmos diante dos nossos olhos esta soberana ideia – de que Cristo é o
nosso fundador, a nossa cabeça invisível mas real, e nós, todos, recebemos dele
tudo, de modo que, assim, formamos com ele aquele «Christus totus», o Cristo
total, de que fala Santo Agostinho e de que a teologia da Igreja está
intimamente penetrada – podemos compreender melhor os fins principais deste
Concílio, que, por motivo de brevidade e de melhor inteligência, indicaremos em
quatro pontos: o conhecimento, ou, se se preferir, a consciência da Igreja; a
sua reforma; a recondução de todos os cristãos à unidade; e o diálogo da Igreja
com o mundo contemporâneo.”
Com o pano de
fundo brevemente referenciado anteriormente
e tendo em conta as finalidades apontadas ao Concílio, que tinha como um
dos seus grandes objetivos renovar a vida da Igreja, não é pois de estranhar
que este dedicasse também a sua atenção explícita às questões relacionadas com
o apostolado dos leigos.
Da consulta
feita aos Episcopados, aos Dicastérios da Santa Sé, às Faculdades de Teologia e
de Direito Canónico, aos diversos Institutos e Congregações religiosas, apareceram
respostas que colocavam também questões relacionadas com os leigos, se bem que
com um cariz muito ligado a dimensões canónicas e doutrinais, o que aliás foi
uma nota geral das respostas. Nessa linha pedia-se que o Concílio precisasse e
definisse as funções dos leigos, como se caracterizava o seu apostolado, quais
eram os seus direitos e os seus deveres.
Foram numerosos
os pedidos no sentido de favorecer o apostolado dos leigos, mas também surgiram
muitas dúvidas sobretudo no que diz respeito à autonomia desse apostolado e à
sua relação com a hierarquia.
No Pentecostes
de 1960, pelo Motu Próprio Superno Dei, João XXIII dá ao Concílio o nome de
Vaticano II e institui 10 comissões, entre as quais se encontra a Comissão do
Apostolado dos Leigos[8]. Numa
primeira forma de constituição das Comissões Preparatórias, os problemas do laicado
eram analisados no âmbito da Comissão para a Disciplina do Clero e do Povo
Cristão, mas João XXIII aceita o pedido de criação de uma comissão específica
para tratar do apostolado dos leigos, da ação religiosa e da ação social
católica.[9] Este
dado é claramente importante, ainda que seja necessário afirmar que não
figuravam um grande número de leigos nesta comissão.
2.1. A Lumen Gentium
O esquema
preparatório De Ecclesia tinha um capítulo sobre os leigos que fora confiado à
redação de Mons. G. Philips, belga, que recolheu nele grande parte da reflexão desenvolvida
no âmbito da teologia do laicado. Nesse contexto surgia a tese da plena
participação dos leigos na missão de toda a Igreja. Todos os membros do Povo de
Deus devem contribuir com as suas forças para a edificação da Igreja. Essa
missão, não cabe, pois, apenas aos bispos. Claro que não se trata de uma
afirmação explícita da autonomia do apostolado dos leigos, mas reconhecia-se, sem
dúvida alguma, o papel ativo que estes são chamados a ter. Também era
significativo que este capítulo contivesse um parágrafo sobre o «sacerdócio
universal» dos fiéis[10].
Sabemos que este
primeiro esquema acabou por não ser aceite pelos padres conciliares, tendo
Mons. Philips assumido o protagonismo da redação do novo esquema. A reflexão
que entretanto foi sendo desenvolvida, suportada pelos debates na aula
conciliar e pelo trabalho da Comissão,
acabou por dar um grande destaque ao princípio da «comunhão» e ao tema do «povo
de Deus», o que acabou também por
permitir dar relevo à responsabilidade do apostolado dos leigos na
Igreja[11].
O texto do cap.
4 sobre os leigos, vai retomar, em parte, o elaborado anteriormente por Mons.
Philips, ainda que agora com uma reflexão mais teológica. As distinções
iniciais sobre as várias formas de apostolado são, agora, menos relevantes,
face à importância das afirmações que têm a ver com a igual dignidade de todos
os membros do Povo de Deus e sobre a sua participação na única missão
apostólica da Igreja. Na Igreja são diversas as funções e responsabilidades,
mas todos têm igual dignidade. partindo, desta igual dignidade, o apostolado
dos leigos participa da missão de toda a Igreja[12].
"O apostolado dos leigos é participação
na própria missão salvífica da Igreja; são todos destinados pelo Senhor a este
apostolado ao receberem o Batismo e a Confirmação." (LG 33)
Quanto á identidade do Leigo o texto afirma:
"Por
leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem
ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que,
incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados
participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo,
exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja se no mundo.
É própria e peculiar dos leigos a
característica secular." (LG 31)
Na totalidade da
sua perspetiva eclesiológica o texto da LG, concentrando-se sobre a dimensão
religiosa do fiel leigo, exalta a sua dignidade na Igreja.
No entanto, o
texto revela, igualmente, uma certa dificuldade em reconhecer verdadeiros
espaços de autonomia e responsabilidade para os leigos, mesmo no interior da
Igreja. Ao falar na relação com a hierarquia (cf LG 37) esta constatação fica
clara. Define-se o direito dos leigos receberem "dos sagrados pastores os
bens espirituais da Igreja" e afirma-se mesmo "a faculdade, ou por
vezes também o dever, de dar a conhecer o seu parecer sobre assuntos relativos
ao bem da Igreja", mas como é evidente isso não basta para estabelecer uma
verdadeira autonomia e capacidade de
escolha e tomada de decisões. E ao referir-se explicitamente às atividades do
apostolado o texto limita-se a recomendar num tom parenético que os leigos
obedeçam aos pastores e que estes deem aos leigos "liberdade e margem, de
ação, ou antes os animem, a empreender obras, inclusive por sua própria
iniciativa."[13]
2.2. A
Apostolicam Actuositatem
As maiores
implicações sobre o tema do apostolado dos leigos acabaram por ter um
desenvolvimento próprio no Decreto Sobre
o Apostolado dos Leigos - Apostolicam
Actuositatem.
2.2.1. O trabalho de elaboração do Decreto
A comissão
Preparatória do Apostolado dos Leigos, desejada expressamente pelo Papa João XXIII,
examinou as sugestões enviadas a Roma (31 proposições sobre o apostolado laical
em geral, 127 sobre as Associações de fieis em geral e sobre Ação Católica em
particular e 6 sobre as associações Internacionais) e estabeleceu os seguintes
pontos para o seu trabalho[14]:
1. O
apostolado dos Leigos: noção, fins, dependência da hierarquia, adaptação ás
necessidades atuais,
2. A Ação
Católica: noção, dependência da hierarquia, adaptação às necessidades atuais,
relação com outras Associações;
3. As
Associações: como torná-las mais eficientes, sua ação caritativa e social.
Como no trabalho
preparatório os aspetos doutrinais dos problemas com que o Concílio era chamado
a deparar-se eram pedidos à Comissão Teológica, a Comissão para o Apostolado
dos Leigos encontrou dificuldades, pois era necessário abordar aqueles
princípios teológicos que tinham vindo a ser desenvolvidos nos anos anteriores.
Na verdade, certos problemas, a começar pelas noções fundamentais de leigo e apostolado,
bem como as questões relativas ao relacionamento com a hierarquia, não poderiam
ser ignorados.[15]
Depois de ano e
meio de trabalho apareceu um esquema (De apostolatu laicorum) dividido em quatro partes com 42 capítulos.
Este esquema abordava os vários problemas relativos à experiência das
Associações, dando destaque às relações de dependência mais ou menos estreita
com o clero. A relação com a hierarquia era colocada de modo diferente para as
organizações de «apostolado direto», onde havia uma enorme preocupação em
definir em termos juridicamente precisos os vários graus de dependência: a
missio canónica, em que eram confiadas aos leigos, de modo provisório, algumas
funções.
Um discurso algo
diferente era elaborado para o chamado «apostolado indireto» daquelas
organizações empenhadas no âmbito social, cujo valor e relativa autonomia eram reconhecidas.
O princípio do
qual se partia para fundamentar esta diferença era o da distinção, sem
separação, entre ordem natural e ordem sobrenatural. Porque a ordem natural se
apresenta com leis próprias e responde aos seus próprios fins, os fiéis devem
respeitar as suas características próprias para poderem agir de forma mais
eficaz, gozando, desse modo, de uma relativa autonomia, que era reconhecida e
mesmo afirmada, mas que era igualmente delimitada por um juízo moral que
competia apenas à hierarquia.[16]
Foi reconhecida
a necessidade de reduzir o texto. Em Junho de 1963 surge um novo esquema em 48
páginas que foi enviado aos Padres. A matéria era repartida em duas partes:
sobre o apostolado dos leigos em geral e sobre o apostolado in specie.
Desta consulta,
foram recebidas muitas sugestões que permitiram a reformulação do documento, do
qual resulta um novo texto. O número de páginas é substancialmente reduzido (para
16), bem como o número de parágrafos (de 91 para 21) que se vão, agora, dividir
por 5 pontos: a vocação apostólica do laicado,
os diversos ambientes em que esta vocação deve ser concretizada, os fins
do apostolado laical, as formas associativas, a ordem a seguir. O texto é, de
novo, enviado aos Padres em maio de 1964
Nos princípios
de Outubro de 1964 o esquema é apresentado e discutido na aula conciliar, onde
é criticado por não tirar as devidas consequências da doutrina acerca do Povo
de Deus[17] e por
não acentuar o suficientemente a responsabilidade e a espiritualidade laical. São
produzidas 144 intervenções escritas e orais. Pela primeira vez um leigo -
Patrick Keegan, Presidente do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos -
intervém na aula conciliar. O esquema é de novo retocado e é enviado aos Padres
em junho de 1965. A estrutura mantem-se, mas os parágrafos são agora 33.
No princípio da
quarta sessão conciliar procede-se à votação por partes e por capítulos; as
emendas ou modos propostos foram cerca de 700. Finalmente, a votação geral tem
o seguinte resultado 2201 placet; 2 non placet; 5 nulos. No dia 18 de novembro,
na 8º sessão pública, procede-se a uma última votação pública. Dos 2342
votantes, 2340 votaram placet e 2 votaram non placet. O santo Padre Paulo VI
promulgou solenemente o decreto.[18]
No Decreto final
reconhece-se claramente a intenção de valorizar o apostolado dos leigos nas
suas múltiplas expressões, ainda que esteja também bem presente a preocupação
por salientar a orientação e mesmo um certo controle por parte da hierarquia.
2.2.2. Linhas de Força do Decreto
Ø
Proémio
O apostolado decorre da própria vocação cristã e nunca
poderá faltar à Igreja. "Com efeito, o apostolado dos leigos, que deriva
da própria vocação cristã, jamais poderá faltar na Igreja." (AA Proémio)
Ø
Cap 1 - Vocação dos Leigos ao apostolado
A perspetiva
eclesiológica presente no Decreto é, naturalmente, a da LG, e o apostolado dos
leigos é apresentado como sendo fundado na única missão da Igreja, da qual participam
plenamente os fiéis em virtude do batismo e da vocação que deste deriva.
" A Igreja nasceu para tornar
todos os homens participantes da redenção salvadora e, por eles, ordenar
efetivamente a Cristo o universo inteiro, dilatando pelo mundo o seu reino para
glória de Deus Pai. Toda a atividade do Corpo místico que a este fim se
oriente, chama-se apostolado. A Igreja exerce-o de diversas maneiras, por meio
de todos os seus membros, já que a vocação cristã é também, por sua própria
natureza, vocação ao apostolado." (AA 2)
E o texto
continua afirmando que a missão dos leigos é exercida no meio do mundo e das
ocupações terrenas, residindo aí a sua especificidade na concretização da única
missão da Igreja:
"Existe na Igreja diversidade de
funções, mas unidade de missão. Aos Apóstolos e seus sucessores, confiou Cristo
a missão de ensinar, santificar e governar em seu nome e com o seu poder. Mas
os leigos, dado que são participantes do múnus sacerdotal, profético e real de
Cristo, têm um papel próprio a desempenhar na missão do inteiro Povo de Deus,
na Igreja e no mundo. Exercem, com efeito, apostolado com a sua ação para
evangelizar e santificar os homens e para impregnar e aperfeiçoar a ordem
temporal com o espírito do Evangelho; deste modo, a sua atividade nesta ordem
dá claro testemunho de Cristo e contribui para a salvação dos homens. E sendo
próprio do estado dos leigos viver no meio do mundo e das ocupações seculares,
eles são chamados por Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem como
fermento o seu apostolado no meio do mundo." (AA 2)
Ao referir-se ao
fundamento do apostolado dos leigos o texto do Decreto diz com toda a clareza
que é o próprio Senhor que mandata cada um para o apostolado, pelo que não é
necessário nenhum mandato especial da hierarquia para que o cristão leigo
participe na função sacerdotal, profética e real de Cristo e exerça o seu
apostolado. deste modo a relação entre leigos e hierarquia não deve ser de
submissão, mas de diálogo e corresponsabilidade.
"O dever e o direito ao
apostolado advêm aos leigos da sua mesma união com Cristo cabeça. Com efeito,
inseridos pelo Baptismo no Corpo místico de Cristo, e robustecidos pela
Confirmação com a força do Espírito Santo, é pelo Senhor mesmo que são
destinados ao apostolado. São consagrados em ordem a um sacerdócio real e um
povo santo (cfr. 1 Ped. 2, 4-10) para que todas as suas actividades sejam
oblações espirituais e por toda a terra dêem testemunho de Cristo." (AA 3)
Todos os
cristãos têm o dever e o direito do apostolado, o que implica ultrapassar uma
visão exclusivamente jurídica e administrativa da Igreja, assumindo a comunhão
eclesial como paradigma. Todos são sujeitos ativos e responsáveis e a sua vida
não está regulada apenas pela legitima autoridade da hierarquia, mas também
pelo Espírito Santo.
" O Espírito Santo - que opera a
santificação do Povo de Deus por meio do ministério e dos sacramentos - concede
também aos fiéis, para exercerem este apostolado, dons particulares (cfr. 1
Cor. 12, 7), «distribuindo-os por cada um conforme lhe apraz» (1 Cor. 12, 11),
a fim de que «cada um ponha ao serviço dos outros a graça que recebeu» e todos
actuem, «como bons administradores da multiforme graça de Deus» (1 Ped. 4, 10),
para a edificação, no amor, do corpo todo (cfr. Ef. 4, 1). A recepção destes
carismas, mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o
dever de os actuar na Igreja e no mundo, para bem dos homens e edificação da
Igreja, na liberdade do Espírito Santo, que «sopra onde quer» (Jo. 3, 8) e,
simultâneamente, em comunhão com os outros irmãos em Cristo, sobretudo com os
próprios pastores; a estes compete julgar da sua autenticidade e exercício
ordenado, não de modo a apagarem o Espírito, mas para que tudo apreciem e
retenham o que é bom (cfr. 1 Tess. 5, 12.19.21)(4)." (AA 3)
A fecundidade do
apostolado dos leigos depende da sua união a Cristo, raiz e fundamento da sua
espiritualidade.
" A fonte e origem de todo o
apostolado da Igreja é Cristo, enviado pelo Pai. Sendo assim, é evidente que a
fecundidade do apostolado dos leigos depende da sua união vital com Cristo, segundo
as palavras do Senhor: aquele que permanece em mim e em quem eu permaneço, esse
produz muito fruto; pois, sem mim, nada podeis fazer» (Jo. 15, 5)" (AA 4)
Eles são também chamados à santidade, ainda
que no meio do mundo e segundo o estado de cada um.
" Esta espiritualidade dos
leigos deverá assumir características especiais, conforme o estado de
matrimónio e familiar, de celibato ou viuvez, situação de enfermidade,
actividade profissional e social. Não deixem, por isso, de cultivar
assiduamente as qualidades e dotes condizentes a essas situações, e utilizar os
dons por cada um recebidos do Espírito Santo." (AA 4)
Ø
Cap. II - Os fins do apostolado dos leigos
O Decreto fala
repetidamente do apostolado não só como evangelização e santificação dos seres
humanos, mas também como animação e aperfeiçoamento da realidade social,
destacando a esse nível a importância do apostolado dos leigos.
"A obra redentora de Cristo, que por
natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem
temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a
mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e actuar com o espírito do
Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta
missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto
na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de
tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende
reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo
incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente
fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única
consciência, a cristã." (AA 5).
Na linha da ordem temporal o Decreto destaca a importância
da ação social dos cristãos.
"Quanto aos leigos, devem eles
assumir como encargo próprio seu essa edificação da ordem temporal e agir nela
de modo direto e definido, guiados pela luz do Evangelho e a mente da Igreja e
movidos pela caridade cristã; enquanto cidadãos, cooperar com os demais com a
sua competência específica e a própria responsabilidade; buscando sempre e em
todas as coisas a justiça do reino de Deus. A ordem temporal deve ser
construída de tal modo que, respeitadas integralmente as suas leis próprias, se
torne, para além disso, conforme aos princípios da vida cristã, de modo adaptado
às diferentes condições de lugares, tempos e povos. Entre as atividades deste
apostolado sobressai a ação social dos cristãos, a qual o sagrado Concílio
deseja que hoje se estenda a todos os domínios temporais, sem excluir o da
cultura." (AA 7)
Ø
Cap III - Os vários campos do apostolado
Ao exercerem o seu apostolado na
Igreja e no mundo são vários os campos que se abrem para o exercício e
concretização da sua missão.
Nas comunidades eclesiais afirma-se
que a sua ação é tão necessária que, "sem ela, o próprio apostolado da
hierarquia não pode alcançar plenamente o seu objetivo." (AA 10)
A sua ação pode ir desde a
administração de bens, à comunicação da palavra (catequese, anúncio, vida
litúrgica) passando por tentar conduzir à Igreja os que dela se encontrem
afastados (cf. AA 10), podendo e devendo ser exercida quer ao nível paroquial,
como ao nível diocesano e interdiocesano, num âmbito nacional, ou mesmo
internacional (cf. AA 10)
No âmbito do mundo o seu apostolado
pode e deve ser exercido ao nível da família (cf. AA 11), da juventude (cf. AA
12), do meio social, onde se afirma que é o esforço para modificar, pelo
espírito cristão, a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da
comunidade, e que não pode ser devidamente realizado por mais ninguém (cf. AA
13), da ordem nacional e internacional (cf. AA 14).
Ø
Cap. IV As várias formas do apostolado
Ao falar sobre
as várias formas de apostolado o decreto vai afirmar explicitamente no seu nº
16:
"O apostolado individual que
deriva com abundância da fonte de uma vida verdadeiramente cristã (cfr. Jo.
4,14), é origem e condição de todo o apostolado dos leigos, mesmo do associado,
nem nada o pode substituir.
A este apostolado, sempre e em toda aparte proveitoso e em certas circunstâncias o único conveniente e possível, são chamados e, por isso, obrigados, todos os leigos, de qualquer condição; ainda que não se lhes proporcione ocasião ou possibilidade de cooperar nas associações."
A este apostolado, sempre e em toda aparte proveitoso e em certas circunstâncias o único conveniente e possível, são chamados e, por isso, obrigados, todos os leigos, de qualquer condição; ainda que não se lhes proporcione ocasião ou possibilidade de cooperar nas associações."
Sublinha, depois, um pouco mais à frente:
" A forma peculiar do
apostolado individual, e sinal muito acomodado também aos nossos tempos, porque
manifesta Cristo vivo nos seus fiéis, é o testemunho de toda a vida laical que
flui da fé, esperança e caridade. Porém, pelo apostolado da palavra, em certas
circunstâncias absolutamente necessário, os leigos anunciam a Cristo, expõem a
sua doutrina, difundem-na segundo a sua própria condição e capacidade, e
professam-na com fidelidade."
Apesar desta afirmação o decreto afirma igualmente que:
" [...] o apostolado em
associação responde com fidelidade à exigência humana e cristã dos fiéis e é,
ao mesmo tempo, sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo que disse:
«Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles (Mt.
18,20)." (AA 18)
Sem, no entanto, nunca perder de vista que:
" As associações não têm em
si o seu fim, mas devem servir à missão que a Igreja tem de cumprir para com o
mundo. A sua força apostólica depende da conformidade com os fins da Igreja e
do testemunho cristão e espírito evangélico de cada um dos membros e de toda a
associação." (AA 19)
O Decreto faz uma referência especial à Ação Católica (cf. AA 20)
Ø
Cap. V A ordem a guardar no apostolado
Ao falar na
relação do apostolado dos leigos com a hierarquia diz-se explicitamente que:
"Compete à Hierarquia fomentar o
apostolado dos leigos, fornecer os princípios e os auxílios espirituais,
ordenar para bem comum da Igreja o exercício do mesmo apostolado, e vigiar para
que se conservem a doutrina e a ordem." (AA 23)
De facto, para
que as diversas iniciativas dos leigos possam ter o nome de católicas elas têm
de ter a aprovação explícita da legítima autoridade eclesiástica.
"Assim, existem na Igreja muitas
iniciativas apostólicas nascidas da livre escolha dos leigos e dirigidas com o
seu prudente critério. Em determinadas circunstâncias, a missão da Igreja pode
realizar-se melhor por meio de tais iniciativas, e daí o serem com frequência
louvadas e recomendadas pela Hierarquia. No entanto, nenhuma iniciativa
apostólica se pode chamar católica se não tiver a aprovação da legítima
autoridade eclesiástica." (AA 24)
No Nº 26 do
Decreto sugere-se, na medida do possível, a criação ao nível das dioceses e das
paróquias, de Conselhos que ajudem a ação apostólica da Igreja, quer no campo
da evangelização e santificação, quer no campo caritativo e social. Nesta linha
decreta-se mesmo que se constitua na Santa Sé um Secretariado especial para
servir e estimular o apostolado dos leigos.
Ø
Cap. VI - A formação para o apostolado.
Tendo o
apostolado dos leigos o seu campo de ação tanto na Igreja como no mundo, é
natural que a formação tenha de ter em conta essa dupla pertença.
Destaca-se,
deste modo, a importância da formação espiritual e doutrinal (teológica, ética
e filosófica), mas também da formação ao nível do conhecimento da sociedade e
da cultura.
Sublinha-se que
esta formação não pode ficar ao nível de um ensino meramente teórico, pelo que
os leigos,
"devem ir aprendendo gradual e
prudentemente, desde o começo da formação, a ver, julgar e agir todas as coisas
à luz da fé, a formar-se e aperfeiçoar-se com os outros por meio da acção e a
entrar assim ao serviço activo da Igreja." (AA 29)
Este tipo de
formação, deve começar logo desde criança e deve continuar ao longo da vida,
dando uma especial atenção aos adolescentes e jovens (cf. AA 30).
Pais, padres,
professores e educadores, grupos e associações laicais, devem assumir a sua
missão de formadores (cf. AA 30), adaptando a formação às diversas formas de
apostolado (cf. AA 31), recorrendo para isso a diversos meios de formação, tais
como reuniões, congressos, retiros, conferências, livros e criando também
centros e institutos superiores onde os leigos possam estudar não só a
teologia, mas também a antropologia, a psicologia, a sociologia e a metodologia
(cf. AA 31).
O Decreto
termina com uma exortação a que os leigos respondam "com decisão de
vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo",
afirmando que é o próprio Senhor que através do Concílio,
"mais uma vez convida todos os
leigos a que se unam a Ele cada vez mais intimamente, e sentindo como próprio o
que é d'Ele (cfr. Fil. 2,5), se associem à Sua missão salvadora. É Ele quem de
novo os envia a todas as cidades e lugares aonde deve chegar (cfr. Lc. 10,1);
para que, nas diversas formas e modalidades do apostolado único da Igreja, se
tornem verdadeiros cooperadores de Cristo, trabalhando sempre na obra do Senhor
com plena consciência de que o seu trabalho não é vão no Senhor (cfr. 1 Cor.
15,28)." (AA 33).
2.3. A
Gaudium et Spes
Como sabemos a
elaboração do esquema sobre a Igreja no mundo moderno amadureceu lentamente no
Concílio e foi bastante laborioso, encerrando bastante tensões. A sua redação
acabou por ser iniciada por uma comissão mista, composta pela Comissão
Doutrinal e pela Comissão do Apostolado dos Leigos[19]
Tendo por base a
premissa do diálogo entre a Igreja e o mundo e a reflexão acerca da história da
salvação e dos sinais dos tempos, o apostolado dos leigos acaba por ser pensado
já não como uma reconquista da sociedade para Cristo, mas como disponibilidade
para o diálogo com um mundo que não era completamente estranho a Cristo e, mais
ainda, como participação numa sociedade mais justa em comunhão com todo o ser
humano.[20]
No seu nº 43 a
GS sublinha a importância do empenhamento dos cristãos nas coisas temporais,
censurando mesmo uma certa tendência para considerar como vertentes opostas o
envolvimento no mundo e na Igreja. Também neste nº se faz alusão à autonomia
dos leigos, inscrevendo-a no juízo da sua consciência.
Ainda no nº 43,
ao falar na responsabilidade que os leigos devem assumir em primeira pessoa
pela sua atuação, a GS, se bem que aluda claramente à atenção cuidada que deve
ser dada Á doutrina do magistério, como que esboça, ainda que numa breve
alusão, o papel do clero no apostolado dos leigos, atribuindo-lhe um ministério
sobretudo espiritual, ao deixar para os leigos a verdadeira responsabilidade
das suas escolhas.[21]
3. O percurso
pós-conciliar. Breve olhar.
Pela carta
Apostólica «Finis Concílio», de 3 de janeiro de 1966 são criadas as chamadas
Comissões Pós-Conciliares entre as quais se encontra a do «Apostolado dos
Leigos» (as restantes são: «Dos Bispos e Governo das Dioceses», «Dos
Religiosos», «Das Missões», «Da Educação Cristã»). A estas Comissões sob a
chefia e orientação de uma «Comissão Central» foi confiada a preparação dos
necessários regulamentos para a execução das orientações do Concílio.
Pelo Motu
Próprio «Catholicam Christi Ecclesiam», de 6 de janeiro de 1967 o Papa Paulo
VI, dando seguimento às orientações do nº 26 do Decreto Apostolicam
Actuositatem cria o «Conselho dos Leigos» e dando seguimento às orientações do
nº 90 da Constituição Gaudium eT Spes, cria a «Comissão Pontifícia de estudos
Justitia et Pax». Dois organismos distintos, mas com um Presidente (cardeal) e
Vice-presidente (bispo) comum e dois secretários. Os dois são constituídos a
título de experiência por um período de 5 anos.
O «Conselho dos
Leigos» tinha como finalidade: Promover o apostolado dos leigos, organizando-o,
coordenando-o e inserindo-o no apostolado geral da Igreja; Assistir a
hierarquia e os leigos nas suas atividades apostólicas; Promover estudos que
contribuam para o aprofundamento doutrinal das questões que dizem respeito aos
leigos; organizar um centro de documentação e recolher e difundir informação,
em ordem à boa formação dos leigos.
Aproximadamente 10 anos depois, a 10 de
dezembro de 1976, com o Motu Próprio «Apostolatus Peragendi», Paulo VI reforma
o Conselho dos Leigos, incorporando-o entre os Dicastérios permanentes da Santa
Sé, com o nome de «Pontifício Conselho para os Leigos». Nesta ocasião refere-se
a ele como sendo um dos melhores frutos do Concílio.
O Papa João
Paulo II, que durante anos foi um dos seus consultores enquanto bispo de
Cracóvia, volta a confirmá-lo no exercício da sua missão na Constituição
Apostólica «Pastor Bonus» de 28 de Junho de 1988.
Hoje o
Pontifício Conselho para os Leigos tem um Presidente, que é assistido por um
comité de presidência composto por alguns Cardeais. O presidente é coadjuvado
por um Secretário e um Subsecretário. Os seus membros e consultores tentam ser
expressão e representação da universalidade do laicado. No âmbito do
secretariado existem 4 secções que se
ocupam respetivamente: Das associações de fiéis, movimentos eclesiais e novas
comunidades; da mulher na Igreja e na sociedade; da pastoral juvenil; e da
pastoral do desporto.
Este Dicastério
foi chamado a colaborar de uma maneira muito ativa na VII Assembleia geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos «Sobre a vocação e a missão dos leigos na Igreja
e no mundo» (1987).
A Exortação
Apostólica «Christifideles Laici» de 1988, constitui para este Pontifício
Conselho a sua Magna Carta.
Antes porém de lançarmos
um olhar, ainda que breve, sobre essa exortação, seja-me permitida, ainda, uma mais
breve alusão ao Congresso Nacional dos Leigos.
3.2.
Congresso Nacional dos Leigos
(Fátima, 2-5 de junho de 1988)
(Fátima, 2-5 de junho de 1988)
Na apresentação
do Volume que recolhe as principais intervenções no Congresso[23],
assinada por D. João Alves, destacam-se as três ideias que presidiram à sua
realização.
Renovação
Conciliar. Em todo o Congresso perpassou a inspiração do Concílio Vaticano
II, considerado ponto de referência indispensável para o momento em que se
vivia. A este propósito diz-se explicitamente:
"O Congresso alegrou-se com os
esforços levados a cabo para que o espírito e as orientações conciliares se
concretizassem entre nós, mas manifestou também a sua pena por ainda não se ter
ido mais longe."
Formação
Cristã. A necessidade e urgência em promover, por todos os meios, a
formação dos cristãos e em especial dos leigos, é apresentada como uma das
maiores prioridades do trabalho pastoral.
Participação
e corresponsabilidade. A participação corresponsável dos leigos na vida da
Igreja é outra ideia que perpassou todo o Congresso e que aparece claramente
nos textos. Diz-se que nem podia ser de outra maneira, pois crescendo a
consciência do que se é e da missão que se recebeu como cristão, surge,
forçosamente, a necessidade de se participar na vida e na ação da comunidade a
que se pertence.
Nesta
apresentação é também dedicada uma brevíssima palavra ao Pós -Congresso,
dizendo-se que este foi ponto de chega e que teria de ser ponto de partida.
Nessa altura (1990) D. João Alves afirma que, de facto,
assim aconteceu.
3.3. A
Exortação Apostólica Christifideles Laici
Segundo o Pontifício Conselho para o Apostolado dos
Leigos esta Exortação Apostólica
Pós-Sinodal «Christifidelis Laici», sobre a vocação e a missão dos
leigos na Igreja e no mundo, de 30 de Dezembro de 1988, continua hoje a
constituir o quadro principal de referência no que diz respeito à vocação dos
fiéis leigos e à sua comunhão e participação na vida e missão da Igreja, ao
serviço do ser humano e da sociedade.[24]
O documento conjuga simultaneamente três grandes
objetivos. Primeiro faz uma recapitulação orgânica das reflexões do Concílio
Vaticano II sobre o Laicado, à luz do magistério e da prática da Igreja.
Oferece, depois, num segundo momento, critérios que ajudem a fazer o delicado e
necessário discernimento das experiencias entretanto surgidas (ministérios não
ordenados, movimentos eclesiais, participação da mulher na vida da sociedade e
da Igreja). Finalmente, num terceiro momento, essencialmente correspondente ao
último Cap., propõe orientações para que os leigos possam suscitar e alimentar
a sua consciência do dom e da responsabilidade que têm na comunhão e missão da
Igreja[25].
A Exortação Apostólica tem como pano de fundo a imagem
dos trabalhadores da vinha de que nos fala o Evangelho de Mateus 20.
No seu nº 1 começa taxativamente por afirmar que a
vinha é o mundo inteiro, que deve ser transformado segundo o plano de Deus em
ordem à concretização do Reino. Nesta vinha não lícito a ninguém ficar inativo,
pois ela é o campo no qual os fiéis leigos são chamados a viver a sua missão,
sendo sal da terra e luz do mundo (cf. ChL 3).
Para, depois, no nº 2 lançar o convite: "Ide vós
também para a minha vinha". Chamamento que se dirige a todos os membros da
Igreja.
No anúncio e testemunho de Jesus Cristo, os fiéis
leigos têm um lugar original e insubstituível, sendo por meio deles que a
Igreja de Cristo se pode tornar presente nos mais diversos sectores do mundo,
como sinal e fonte de esperança e de amor (cf. ChL 7)
No nº 2, a Exortação fala nas duas tentações das quais
muitas vezes a Igreja, no percurso pós-conciliar, não se conseguiu desviar : a
tentação de mostrar um exclusivo interesse pelos serviços e tarefas eclesiais,
provocando, com frequência um abdicar das responsabilidades especificas no
mundo profissional, social, económico, cultural e político; e a tentação de
legitimar a indevida separação entre fé e vida, entre aceitação do Evangelho e
a ação concreta nas mais variadas realidades temporais e terrenas.
Ao refletir sobre a dignidade e identidade dos fiéis
leigos, a Exortação Apostólica, afirma que é no interior do mistério da Igreja
como mistério de comunhão que se revela a identidade dos fiéis leigos e a sua
original dignidade. Só no interior dessa dignidade é que podem ser definidas a
sua vocação e a sua missão na Igreja e no mundo (cf. ChL 8).
Ao querer responder à pergunta «quem são os fiéis
leigos?», a Exortação Apostólica retoma, citando, a definição do Cap. 4 da
Lumem Gentium e interpreta-a á luz da imagem da vinha: "os fiéis leigos,
como todos os outros membros da Igreja, são vides radicadas em Cristo, a
verdadeira videira, que torna as vides vivas e vivificantes." (ChL 9).
Deste modo tenta claramente uma definição positiva, ou seja, afirma aquilo que
os leigos são, mas depois, citando explicitamente o n.31 da LG volta a dizer
que «por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da
sagrada Ordem, ou do estado religioso reconhecido pela Igreja [...].»
Também na linha do Concílio Vaticano II, A exortação
afirma que com a efusão batismal e crismal, o batizado torna-se participante na
mesma missão de Jesus Cristo, participando no seu tríplice múnus sacerdotal
(oferecendo-se a si mesmo e a todas as suas atividades na oferta de Jesus),
profético (anunciando profeticamente e concretizando a novidade e a força do
Evangelho na sua vida quotidiana) e real (estando ao serviço e difusão do
reino) (Cf. ChL 13-14)
É em virtude da sua comum dignidade batismal, que o
fiel leigo é corresponsável, juntamente com os ministros ordenados e com os
religiosos e as religiosas, da missão da Igreja (cf. ChL 15). Mas essa comum
dignidade, que também se manifesta no comum chamamento à santidade (cf. CL 16),
no caso do fiel leigo, assume uma modalidade que o distingue, sem todavia o
separar, do presbítero e dos religiosos. Retomando explicitamente o Concílio
Vaticano II, a Exortação Apostólica, aponta a índole secular como sendo essa
modalidade.
E para ajudar a entender de forma completa adequada e
precisa essa índole secular da condição eclesial do fiel leigo, afirma-se.
"Dessa forma, o estar
e agir no mundo são para os fiéis leigos
uma realidade, não só antropológica e sociológica, mas também e especificamente
teológica e eclesial, pois é na sua situação intra-mundana que deus Manifesta o
seu plano e comunica a especial vocação de «procurar o Reino de Deus tratando
das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus»." (ChL 15)
Esta inserção no mundo deve, no entanto ser vivida,
participando igualmente na vida da Igreja-comunhão[26],
que também não pode ser interpretada como uma realidade simplesmente
sociológica e psicológica, mas deve acolhida e vivida como um grande dom do
Espírito Santo (cf. ChL 18-20). É a luz desta realidade e experiência de
comunhão que devem ser pensados os diversos carismas e ministérios (Cf. ChL 21)
e as diversas formas de parcticipação na vida da Igreja (cf. ChL 28-31).
A exortação Apostólica ChL no seu Capítulo III «Constituí-vos para irdes
e dardes fruto«» faz referência à questão da corresponsabilidade dos Leigos,
como se pode depreender pelo próprio subtítulo «A corresponsabilidade dos fiéis
leigos na Igreja-Missão». Contudo, a questão da corresponsabilidade não é
verdadeiramente assumida enquanto tal. Dela se diz, na sequência do Concílio,
"Ora, no contexto da missão da Igreja
o Senhor confia aos fiéis leigos, em comunhão com todos os outros membros do
Povo de Deus, uma grande parte de responsabilidade. Tinham disso plena
consciência os Padres do Concílio Vaticano II: « Os sagrados Pastores conhecem,
com efeito, perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a
Igreja. Pois eles próprios sabem que não foram instituídos por Jesus Cristo
para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o
mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e
de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo
o seu modo próprio, cooperem na obra comum ». Essa consciência reapareceu,
depois, com renovada clareza e com maior vigor, em todos os trabalhos do
Sínodo." (ChL 32)
Estranhamente nem sequer a expressão
corresponsabilidade aqui aparece. A reflexão, ao longo do Cap. vai depois ser
desenvolvia no contexto da evangelização (fala-se na hora de uma nova evangelização
cf. nº 34) e das suas características, finalidades e âmbitos. Por isso o leigo
deve ir por todo o mundo (nº 35), vivendo o Evangelho, servindo a pessoa e a
sociedade (nº 36-, promovendo a dignidade da pessoa humana (nº 37), defendendo
o inviolável direito à vida (nº 38), invocando livremente o nome do Senhor
(nº39), dando especial destaque à família como lugar de humanização da pessoa e
da sociedade na família (nº 40), promovendo a caridade como alma da
solidariedade (nº 41), intervindo no mundo da política (nº 42) e da vida
económica e social (nº 43), evangelizando as culturas (nº 44)
No quarto Cap. - «Os trabalhadores da vinha do
Senhor» - a Exortação Apostólica refere a variedade de vocações e situações em
que se pode concretizar a condição laical: jovens, crianças e idosos (nº46-48),
homens e mulheres ( nº 49-52), doentes e atribulados (nº 53), nos diversos
estados de vida e vocações (nº 55), nas várias vocações laicais (nº56), Todos
apesar da diversidade são trabalhadores da vinha do Senhor.
A Exortação
Apostólica dedica o seu último Cap. - «Para que deis mais fruto» - à formação dos fiéis leigos, como já foi
anteriormente referido.
4. Um olhar
global para o período pós-conciliar.
Desafios e interpelações
Os anos que se
seguiram ao Concílio foram um período de entusiasmo, a que se juntou também
alguma desorientação, primeiro, e, depois, mais tarde, algum desânimo que tem
vindo, de certa forma, a aumentar até aos nossos dias.
As reflexões
desenvolvidas pelo Concílio foram sendo recebidas como uma valorização da vida
cristã dos leigos, reconhecendo o contributo que podiam e queriam dar para a
vida das comunidades, em particular e da Igreja, em geral.
Uma primeira
consequência foi certamente o aumento da
responsabilidade dos leigos no âmbito essencialmente paroquial, mas também
diocesano, onde surgiram de uma maneira muito mais visível, intensa e ativa no
âmbito da catequese e da animação de vários setores da vida pastoral.
ü
Isto foi dando origem áquilo que Paola Bignardi
a figura do «leigo pastoral», ou
seja alguém fortemente envolvido no desempenho das inúmeras funções de uma ação
eclesial cada vez mais estruturada. Um leigo que vai interpretar a sua vocação
sobretudo em referência à experiência da comunidade cristã, com uma competência
que vai aumentando, até correr o risco, em não poucos casos, de se tornar como
que excessiva quando começa a perder uma referência concreta com a inserção no
mundo.[27]
Em certo sentido, segundo a mesma autora, foi apreendida de um modo mais
vivo a perspetiva da LG do que propriamente a da GS.
ü
A secularização crescente, uma deficiente
inculturação da fé, bem como o fim de uma época em que a cultura se apresentava de uma maneira unificada, foram gerando mudanças significativas que muitas vezes
as comunidades crentes não souberam
interpretar.
De facto, a pluralidade passa
a ser um das notas caraterísticas das sociedades provocando num determinado
mundo católico uma fase de crise e mesmo de um certo declínio que pode ser
observada nas seguintes notas[28]:
Crescente crise da unidade pastoral realizada essencialmente em torno da
paróquia. O que é hoje a paróquia? Como pode ser pensada ou repensada?. A
especialização das orientações da pastoral - para jovens, para a família,
para... também acarretam riscos de uma pastoral em compartimentos estanques.
Crise da unidade da militância laical em torno da Ação católica. Hoje
surgem muitas propostas de associações e movimentos, mas existe uma clara
atomização e fragmentação.
Crise da unidade política dos católicos, que foi realizada, no pós
guerra, em torno de um ideal de democracia cristã[29]. Hoje
assistimos a uma enorme pluralidade neste campo. Pluralidade que o próprio
Concílio considerou legítima. O ensinamento Conciliar ajudo a entender que a
partir do Evangelho não se podem deduzir imediatamente todas as opções
concretas a tomar no âmbito social, político e secular, devendo estas brotar de
um discernimento, muitas vezes difícil e incerto, que deve ser realizado pela
consciência cristã e pela liberdade de cada um.
ü
Tudo isto provoca que os modelos tradicionais de fazer formação entrem também em crise e,
pouco a pouco, os leigos começam a perceber que muitas das propostas formativas
não correspondem verdadeiramente às exigências do momento. Na verdade, muitas
vezes a formação ficava reduzida à transmissão de conteúdos doutrinais, muito
importantes e mesmo necessários, mas insuficientes, sobretudo quando se
perderam as tais unidades atrás referidas[30].
Os fiéis leigos têm hoje necessidade de conteúdos de formação em que a
transmissão dos conteúdos da fé possa ser cruzada com os diversos aspetos da
sua vida, de modo a que possa iluminá-los. A fé tem de ser antropologicamente,
existencialmente e quotidianamente significativa.
ü
A situação do associativismo laical tradicional, sofreu, como já foi referido,
uma enorme evolução no período pós-conciliar. O associativismo tradicional
entra em crise e surge a afirmação de
novas subjetividades[31]. Os
novos movimentos laicais, já comparados em 1998, pelo então Cardeal Ratzinger,
como uma irrupção do Espírito, por vezes, acabam por provocar uma crise nas
estruturas eclesiais pelo modo como, frequentemente, entram em relação com a comunidades cristãs.
Também a reflexão e a ação pastoral nem sempre ajudou, quando muitas
vezes foi reduzida a questões relacionadas com a estrutura e a organização,
tendo muita dificuldade em valorizar a subjetividade, de tornar eficazes os
organismos de participação e de praticar um estilo de diálogo e de
corresponsabilidade.
Isto fez com que existisse uma tendência em diversas Associações em
virar-se para si mesmas, preocupando-se, quase que exclusivamente com as suas
iniciativas e atividades, sem grande intercâmbio com outras Associações, o que
foi gerando uma imagem do laicado cada
vez mais fragmentada. Com frequência, a relação dos leigos pertencentes a
movimentos e associações com a Igreja é mediada exclusivamente pelo movimento a
que pertencem, pela sua cultura, pelas suas orientações e pela liderança nele
existente. Percebendo esta realidade, já a Christifidelis Laici, no seu nº 30,
tinha avançado com alguns critérios de eclesialidade; primado dado à vocação de
cada cristão à santidade, a responsabilidade em professar a mesma fé da Igreja,
o testemunho da comunhão com o magistério, a conformidade e a participação na
finalidade apostólica da Igreja, o empenho de uma presença na sociedade humana.
ü
Hoje a questão
do laicado pode verdadeiramente ser considerada uma questão da Igreja. Na verdade, ao longo deste tempo que medeia
entre o Concílio e os nosso presente, vai-se instalando uma certa situação de
crise que toca também a vivência laical e que é, certamente, fruto de uma
cultura e de uma práxis eclesial que não tem conseguido repensar-se levando até
às últimas consequências as perspetivas presentes sobretudo na LG e na GS[32].
À medida em que a relação e o
diálogo da Igreja com o mundo não é verdadeiramente assumido, ou se vai
tornando mais débil, vai tornando-se também mais supérflua a ação de ponte
caraterística da condição laical, o que provoca que a dimensão secular dos leigos, acabe por ser não só pouco entendida,
como, essencialmente, pouco valorizada.
Deste modo, por exemplo, a presença dos leigos na família, na escola, nas
profissões, na política, na cultura, parece ser mais uma coisa que só tem a ver
com a coerência do testemunho pessoal e não com um modo específico de
contribuir para a missão da Igreja.
A compreensão da vocação e do apostolado laicais a este nível tem-se
fragilizado não só na consciência das comunidades. como também na consciência
dos próprios leigos, o que tem proporcionado, pouco a pouco, a emergência de um
laicado anémico, clerical, debruçado quase que exclusivamente sobre as coisas
da Igreja.
Aqueles leigos que continuam a fazer do mundo o seu lugar privilegiado de
participação corresponsável na vida da Igreja, acabam por ir sentindo uma quase
irrelevância no seu agir apostólico, correndo o risco de ficar quase invisíveis
e de ser considerados presenças pouco importantes e determinantes na vida da
comunidade eclesial.
ü
A pastoral tem dedicado grande parte das suas
energias a uma ação de reorganização que, se por um lado, a tem tornado mais
rica e especializada, por outro, nem sempre tem promovido convenientemente o
pensamento nem a corresponsabilidade.
Em muitas das iniciativas pastorais a presença dos leigos é reduzida a
dimensões quase que exclusivamente executivas. os leigos fazem muita coisa, mas
nem sempre isso é equivalente a uma efetiva corresponsabilidade na vida das
comunidades, nem acaba por ter grande influência no pensar globalmente a
experiência de ser Igreja, nem no edificar da comunidade eclesial. A este nível
podemos destacar dois problemas evidentes: o dos organismos de participação e
corresponsabilidade na vida da Igreja; os lugares de discernimento, relacionados
com os problemas inerentes à vida social.
ü
Experiências
e contextos de discernimento comunitário talvez possam reabrir na
comunidade cristã, espaço de diálogo e de confronto de ideias, não tenhamos
medo das palavras, que tornem possível reunir autonomia, responsabilidade
pessoal e comunhão[33].
A pergunta que aqui se pode colocar é a seguinte: Como fazer que o
testemunho, muitas vezes individual, no meio do mundo, não seja experiência de
solidão, mas sim expressão de uma corresponsabilidade que se alimenta na vida
de comunhão da comunidade?
Onde falte o discernimento, ou seja onde falte um exercício de
compreensão profunda das realidade e das diversas situações concretas que
estamos a viver, as razões de ser dessas mesmas situações acabam por se nos escapar
e, deste modo, dificilmente podem ser confrontadas com o Evangelho.
Por outro lado, sem esse mesmo discernimento, facilmente podemos cair no
risco de pedir ao Evangelho que dê as respostas concretas para cada situação em
particular, respostas que também não serão possíveis de encontrar.
É urgente criarmos nas nossa comunidades, aos diversos níveis, momentos e
estruturas de discernimento, que nos permitam ler os sinais dos tempos, que
permitam pôr esses mesmos tempos em diálogo com o Evangelho de modo a ir possibilitando e incentivando a
constituição de uma amadurecida e adulta opinião pública no interior da Igreja.
Já há 25 anos, por ocasião do
Congresso Nacional dos leigos, Borges de Pinho afirmava que:
"na falta de uma autêntica,
esclarecida, corajosa opinião pública interna a nível da Igreja em Portugal,
estará um dos factores determinantes do pouco sentido de corresponsabilidade
dos cristãos e de alguma ineficácia no deixar transparecer a força do
testemunho cristão."[34]
E a criação destes espaços deve depender essencialmente dos leigos. Este
é um dos desafios onde verdadeiramente se pode concretizar a autonomia e a
corresponsabilidade dos leigos. Agora bem, se estes espaços devem surgir a
partir da legítima e corresponsável iniciativa de cristãos verdadeiramente
interessados em assumir o apostolado que lhes é próprio, não se deve estar à
espera que seja a hierarquia a promovê-los, tal como dela não devem necessitar
de aprovação.
ü
Também o
diálogo intra-eclesial tem vindo a enfraquecer-se, o que empobrece a
comunicação na própria comunidade eclesial e enfraquece a criação de uma
cultura de inspiração cristã, que se vai tornando, assim, cada vez mais
abstrata e genérica.
Em certo sentido os leigos acabam por ter poucas possibilidades te tomar
a palavra na Igreja. Falamos muito, às vezes até demasiado, mas vão faltando
lugares efetivos que permitam aos cristão dialogar verdadeiramente uns com os
outros. Por vezes, parece até existir uma certa falta de interesse em criar
esses lugares e estruturas, pois só o agir parece revelar ter importância[35]
Daqui brota o desafio de pensar a sério e em todas as suas consequências
o diálogo intra-eclesial como verdadeira reciprocidade e não como um dar e
receber unilateral. Porque é tão difícil, ao próprio Concílio vaticano II e,
depois dele, ao ministério magisterial e pastoral da Igreja admitir um diálogo
intra-eclesial em reciprocidade, tentando a partir dele discernir e identificar
a vontade de Deus quanto à configuração e ação da Igreja no nosso tempo,
interroga-se Hermann J. Pottmeyer[36].
ü A reflexão acerca da identidade laical tem hoje de continuar
a fazer-se. Ainda está demasiado presente a afirmação de uma identidade marcada
pela oposição que resulta do binómio clérigo-leigo, pelo que é necessário procurar definir quais são os aspetos característicos, ainda
que porventura não exclusivos, de uma identidade laical.
Nessa tentativa
de procura podemos avançar com alguns desses elementos que deverão ser sempre
refletidos tomando como núcleo polarizador o significado teológico-eclesial da
vivência existencial da «secularidade»: a consciência baptismal/crismal; a
fidelidade aos dons do Espírito; o empenhamento direto e imediato nas tarefas
quotidianas da construção do mundo; a diversidade concreta de inúmeras vocações
e histórias irrepetíveis de vida[37].
ü
O Decreto AA afirma que o apostolado dos leigos,
na ordem temporal, deve ter em conta as leis próprias que regem as coisas
terrenas, e para as quais vale a
competência e a capacidade própria dos leigos. Aqui estamos perante um
reconhecimento explícito da autonomia das realidades terrenas em que atuam os
leigos.
Mas o decreto também afirma que o destino final de todas as coisas em
Cristo não só não priva a ordem temporal da sua autonomia, mas antes aperfeiçoa
a sua força e valor, adequando-a para a vocação total do ser humano sobre a terra.
Por isso essa ordem temporal deve ser renovada conforme os princípios
superiores da vida cristã (cf. AA 7).[38]
Afirma-se, igualmente, que na sua atuação, tanto na ordem temporal como
na ordem espiritual, o leigo, "que é simultaneamente fiel e cidadão, deve
sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã."
(AA 5), o que é claramente um critério decisivo para delinear a autonomia dos leigos no seu apostolado.
Também na GS, como vimos, este critério é aludido (GS 43). A consciência
retamente formada representa o horizonte mais vasto de autonomia que o Concílio
reconhece ao apostolado dos leigos.[39]
Contudo, tal como na LG e na GS, o texto conciliar do Decreto AA não
precisa o significado que este critério pode ter e, depois de ter enunciado
este princípio, acaba por não o desenvolver verdadeiramente[40]. Na
verdade, as primeiras afirmações do Decreto acerca do apostolado dos leigos
devem depois ser lidas à luz do capítulo V relativo as relações com a
hierarquia. Aí, o discurso torna-se bem mais prudente, afirmando-se que todo o
apostolado, quer quando exercido individualmente, quer quando em associação,
deve ser inserido, na devida ordem, no apostolado de toda a Igreja, em união
com aqueles que o espírito Santo colocou à cabeça da Igreja, estabelecendo aqui
um outro critério que é o da subordinação às diretivas da hierarquia. (cf. AA
23)[41]
Ao falar das associações de natureza apostólica, o Decreto AA estabelece,
como vimos, uma diferenciação reconhecendo uma maior margem de autonomia às
associações de «apostolado indireto», enquanto que as associações de
«apostolado direto» devem ter uma relação mais estreita com a hierarquia em
virtude da missão específica que têm decorrente de um mandato. Mas tanto no
caso de uma associações, como em outras, é sempre competência da hierarquia, em
última análise " ensinar e interpretar autenticamente os princípios morais
que se devem aplicar nos assuntos temporais.", bem como "julgar,
depois de bem considerar todas as coisas, e servindo-se do auxílio dos peritos,
da conformidade de tais obras e instituições com os princípios morais e
determinar o que for necessário para conservar e promover os bens de ordem
sobrenatural." (AA 24) E tanto umas
como as outras necessitam obter a aprovação da legítima autoridade
eclesiástica. (AA 24)
Apesar do claro reconhecimento da importância e da dignidade do
apostolado dos leigos e mesmo da afirmação do seu papel insubstituível não se abandona totalmente uma perspetiva
eclesiológica de uma subordinação em relação às diretrizes da hierarquia.
Não se pode
ignorar nem sequer secundarizar a novidade e a renovação que o Concílio introduziu
na reflexão acerca da identidade e missão dos leigos, no entanto, temos de
reconhecer que existem questões em aberto em relação ao verdadeiro alcance
dessa renovação e novidade. . Mas os caminhos foram abertos e cabe agora a
todos nós, enquanto comunidade, continuar a percorrê-los.
Juan Ambrosio
Juan Ambrosio
[1] cf
Giovanni Turbanti, A autonomia dos leigos
da Lumen gentium à Gaudium et spes, in Cetina Militello (coord), Os leigos depois do concílio. A identidade e
a missão dos cristãos, Paulinas Prior Velho 2012, 11-13.
[2] A Caggiano,
Natura della chiesa e del suo apostolado,
in Actes du 1 Congrès mondial pour l'apostolat
des laics, COPECAL, Roma 1952, 1, p 200-201, citado por Giovanni Turbanti, A autonomia dos leigos, 17, nota 12.
[3] Cf Ney
de Sousa, Contexto e desenvolvimento
histórico do Concílio Vaticano II, in Ciberteologia.
Revista de teologia e cultura 2 (Out/Nov/Dez 2005) 3
[5] Cf
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
14.
[6] Ibidem, 15.
[7] Carta
Apostólica In Spiriu Sancto,8 de
Dezembro de 1965, no encerramento do Concílio.
[8] São 10
Comissões (1- Teológica, 2- Administração das Dioceses, 3 - Clero e Povo, 4 -
Sacramentos, 5 - Liturgia, 6 - Estudos Eclesiásticos, 7 - Ordens, 8 - Igrejas
Orientais, 9 - Missões, 10 - Apostolado dos Leigos) e 2 Secretariados (1 - Para
os Meios de Comunicação Social, 2 - Para a Unidade dos Cristãos). Foi também
constituída uma Comissão Central, presidida pelo Papa, com a presença dos
presidentes das 10 Comissões e outros Cardeias e Bispos.
[9] Cf
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
30, nota 38.
[10] Cf
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
20-22.
[11] Cf Ibidem, 23.
[12] CF Ibidem, 25-26.
[13] Cf Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos, 28-29.
[14] Cf
Introdução ao Decreto Apostolado dos
Leigos, Secretariado Nacional Apostolado de Oração, Braga 1967, 235.
[15]
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
30, nota 40.
[16]
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
31-33.
[17] A LG é
aprovada neste período de trabalhos. Nela a reflexão da Igreja como Povo de
Deus rompe com o conceito institucional unilateralmente jurídico e com a
conceção de que a Igreja se identificava com o clero, sendo que os leigos
desempenhavam nela um papel essencialmente passivo.
[18] Cf
Introdução ao Decreto Apostolado dos
Leigos, Secretariado Nacional Apostolado de Oração, Braga 1967, 235; Ney de
Sousa, Contexto e desenvolvimento
histórico do Concílio Vaticano II, in Ciberteologia.
Revista de teologia e cultura 2 (Out/Nov/Dez 2005) 20-27.
[19] Cf.
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
38
[20] Cf. Ibidem, 40
[21] Cf. Cf.
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
46
[22] Cf. El
Consejo Pontifício para los Laicos, Ciudad del Vaticano 2012, 6-21.
[23] Leigos em congresso. Congresso Nacional dos
Leigos. Fátima 1988, Editora Rei dos Livros, Lisboa 1990.
[24] Cf.
. El Consejo Pontificio para los
Laicos, 19.
[25] Cf. Ibidem, 19-20.
[26] O Cap.
II da Exortação, que tem por título «Todos ramos da única videira. A
participação dos fiéis leigos na vida da Igreja-comunhão, vai refletir sobre a
dimensão da comunhão
[27] Paola
Bignardi, A autonomia dos leigos: o
percurso pós-conciliar, in Cetina Militello (coord), Os leigos depois do concílio. A identidade e a missão dos cristãos,
Paulinas Prior Velho 2012, 56-57.
[28] Cf.
Paola Bignardi, A autonomia dos leigos: o percurso pós-conciliar, 57-60. A
interessante reflexão que desenvolve situa-se no contexto italiano, mas julgo
que pode, de uma maneira geral e com as devidas adaptações, ser alargada a outras realidades, como por
exemplo a nossa.
[30] Cf. Paola Bignardi, A autonomia dos leigos: o percurso pós-conciliar, 60-61.
[32] De novo
acompanho aqui a interessante reflexão de Paola Bignardi, A autonomia dos leigos: o percurso pós-conciliar, 64-66.
[33]
Continuo a refletir a partir do texto de Paola Bignardi. Cf. Ibidem, 69-70
[34] Participação e Corresponsabilidade dos
leigos na vida e edificação da Igreja, in Leigos em Congresso. Congresso Nacional dos Leigos, Rei dos Livros,
Lisboa 1990, 156-157.
[35] Cf.
Paola Bignardi, A autonomia dos leigos: o
percurso pós-conciliar, 66.
[36] Cf. a
este propósito a interessante reflexão desenvolvida por este autor em Estruturas de diálogo na Igreja e Communio,
in Communio 3 (2012) 287-296
(sobretudo294-296).
[37]
Tenho aqui presente o trabalho
desenvolvido pelo Prof. Borges de Pinho no âmbito da disciplina «Igreja. Identidade
e Missão» da Licenciatura em Ciências Religiosas. Cf. Apontamentos para uso dos
alunos ano letivo 2012/2013, ponto 8.1.2. A questão da identidade laical -
elementos positivos de uma identidade própria.
[38] Cf.
Giovanni Turbanti, A autonomia dos Leigos,
34
[39] Cf. Ibidem, 45.
[40] Cf. Ibidem, 35.
[41] Cf. Ibidem, 36.