No dia 26 de Março de 1967, o Papa
Paulo VI apresentou ao mundo a Encíclica Populorum
Progressio onde propôs uma nova ordem mundial. O que tem isso a ver com a
Europa de hoje, com a construção europeia? Muito! Paulo VI apresentou ao mundo
os valores orientadores de uma nova ordem mundial, onde o desenvolvimento
passou a ser o novo nome para a paz. Nesta encíclica, Paulo VI pede às nações
mais ricas que assumam a obrigação moral para com os mais pobres, contribuindo
para o desenvolvimento e trabalhando para o bem comum. Na Populorum Progressio Paulo VI faz um apelo à solidariedade e
colaboração - entre as pessoas e entre as nações - e delineia o que deverá ser
a cooperação internacional, sublinhando que o desenvolvimento “não se pode
limitar ao crescimento económico. Para ser autêntico, deve promover o
desenvolvimento de cada homem e do homem todo” (Populorum Progressio, 14). Ao colocar a pessoa, em comunhão com as
outras pessoas, no centro do desenvolvimento, Paulo VI introduziu o conceito de
desenvolvimento humano integral, onde as íntimas ligações multidimensionais
entre o bem-estar social e emocional de pessoas, famílias e comunidades, com a
dimensão económica, são fundamentais.
Durante estas décadas a Populorum Progressio tem sido fonte de
inspiração para muitas das diversas forças que, no diálogo e no confronto de
ideias (e não de armas), foram e continuam a ser motores da construção da União
Europeia que conhecemos hoje. Muitos dos então novos conceitos introduzidos
pela Populorum Progressio, como por
exemplo o desenvolvimento humano integral, fazem hoje parte do vocabulário
europeu e do seu património.
A Cáritas Europa ainda hoje usa
estes conceitos para defender as pessoas desfavorecidas e fazer chegar as suas vozes
às instituições europeias. Ao fazer isto, usamos, ao mesmo tempo, a linguagem da
igreja e a linguagem da Europa.
Ao mesmo tempo, estou convencido de
que o papa Paulo VI, ao ler os sinais dos tempos, se inspirou no Tratado de
Roma, assinado em 25 de Março de 1957, dez anos e um dia antes da promulgação
da Populorum Progressio.
Coincidência? Penso que Paulo VI o fez deliberadamente. O projecto europeu
começou como um projecto de “paz” e de “solidariedade”, dois conceitos centrais
da Populorum Progressio.
Paz: Depois de centenas de anos de guerras em
solo europeu, vários políticos cristãos de diferentes nacionalidades, hoje
chamados de “Pais Fundadores da União Europeia”, decidiram lançar as bases de
uma paz duradoura. A estratégia era criar interdependência em diferentes áreas
políticas (começando com o carvão, o aço e o comércio), em que a cooperação
fosse a única forma de ganhar. A paz no território da UE dura agora há mais de
setenta anos.
Solidariedade: os Tratados de Roma instituíram
imediatamente o Fundo Social Europeu, primeira grande ferramenta de
solidariedade para ajudar as pessoas necessitadas, naquela época os
trabalhadores das indústrias do carvão e do aço que perderam o seu emprego e
tinham que encontrar um novo. Mais tarde, outras políticas e fundos europeus
reforçaram o conceito de solidariedade: o FEADER, a solidariedade com os
agricultores e a população rural; o FEDER, solidariedade com as regiões mais
pobres da Europa; e tantos outros fundos e programas nos últimos sessenta anos.
Estou convencido de que, sem o
projecto europeu, sem a solidariedade europeia, haverá mais desigualdades entre
regiões e países, os pobres serão mais pobres e enfrentaremos muitos mais
problemas estruturais. Apesar de todas as críticas justificadas que podemos fazer
hoje aos nossos governos e às instituições europeias, relativamente à
necessidade de uma melhor implementação e protecção dos direitos humanos e
sociais, a Europa é, no entanto, um lugar muito melhor hoje do que há sessenta
anos. E, apesar de todas as incoerências e erros, reconheceremos que o mundo
também é um lugar melhor devido ao papel da Europa na arena internacional
nestas últimas décadas. E a Europa e o mundo são lugares melhores precisamente
por causa dos sucessos do projecto europeu.
Ao ler como o Senhor molda a
história da humanidade, observando o desenvolvimento promissor do projecto
europeu, com a encíclica Populorum
Progressio, o Papa Paulo VI quis lembrar (também) aos europeus os valores
mais elevados que devem nortear a construção deste projecto.
Sim, os pobres precisam da Europa,
definitivamente. E não se trata apenas de uma questão de dinheiro, mas de uma
abordagem integral para o desenvolvimento humano. O que ouvimos ultimamente
como “primeiro a minha região”, “primeiro o meu país” ou imaginemos que alguém
diria “em primeiro lugar a minha Cáritas”, é contra o princípio do bem comum
consagrado pelo beato Paulo VI.
Numa releitura desta carta
encíclica, constatamos a sua actualidade. Torna-se necessário reforçar estes valores
no nosso trabalho como Cáritas, promovê-los na relação com os governos locais,
regionais, nacionais e as instituições europeias. Na Cáritas, o nosso encontro directo
com as pessoas em situação de pobreza e os ensinamentos do Ensino Social da
Igreja são os sólidos alicerces do nosso “caminho político da caridade” (Caritas in Veritate, 7), para dar voz à causas
dos pobres (Evangelii Gauidum, 198).
Baseando-se no Ensino Social da
Igreja Católica, o papa Francisco pediu em três momentos diferentes a
continuação do desenvolvimento do projecto europeu: no seu discurso ao Conselho
da Europa (2014), no discurso ao Parlamento Europeu (2014) e no discurso na cerimónia
de entrega do prémio Carlos Magno (2016). Fundamentada na tradição e nos
ensinamentos da Igreja orientados para o desenvolvimento integral das nações e
das pessoas, a visão do papa é apoiada pela actuação da Cáritas no seu dia a
dia. Cáritas que claramente está empenhada na construção da Europa.
A Europa é um projecto imperfeito, mas
cuja construção está em curso. Sem unidade na diversidade, sem diálogo e sem
uma visão do todo, a Europa desmoronar-se-á. Precisamos da Europa. Uma Europa
construída no espírito da Populorum
Progressio.
Jorge Nuno Mayer
Secretário Geral da Cáritas Europa
Abril 2017